segunda-feira, 31 de maio de 2010

Humanizar

A humanização é um processo de construção gradual, realizada através do compartilhamento de conhecimentos e de sentimentos. Como enfermeira e educadora, questiono: como obter esta parceria entre o conhecimento e o sentimento? E como favorecer a uma aproximação mais real e verdadeira entre o enfermeiro e o paciente? Estes questionamentos me levam a refletir sobre um poema de Adélia Prado, “Ensinamento”: “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: “ Coitado, até essa hora no serviço pesado “. Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra de luxo”. Sentimento e estudo...Creio que sem o sentimento o estudo perde o seu sentido, por outro lado, sem o estudo, sem o conhecimento, o sentimento pode acabar empobrecido. Sentimento e estudo são como as asas dos pássaros, dos anjos, se auxiliam no equilíbrio para o vôo, a uma maior valorização da vida. Ao amor, a Adélia atribui a “essa palavra de luxo”. Será que por isto é tão pouco lembrado nas nossas escolas, nos nossos estudos com os nossos alunos, no nosso trabalho como educadores e enfermeiros? As ações de humanização englobam muitas e diversificadas práticas profissionais que vêm sendo introduzidas no tratamento de pessoas hospitalizadas (a psicologia, a terapia ocupacional, a arteterapia, a contação de histórias, a arte do palhaço, as artes plásticas, o toque terapêutico, a massoterapia, etc.). Práticas essas que passam pelo sentimento, o amor. Amar é responder pela relação, é estar atento às necessidades do outro, respeitá-las, escutá-las, dar-lhes uma resposta. Amar é prestar atenção em nossa maneira de tratar o outro. O amor está ligado ao respeito = respicere = olhar. É a capacidade de ver a pessoa tal como ela é, estar consciente de sua unicidade, é desejar vê-la florescer conforme seus desejos e meios. Amar é abrir-se à realidade do outro como ele é sem procurar transformá-lo conforme as nossas expectativas, encorajando-o em seu caminho ao mesmo tempo em que respeitamos ambos as nossas necessidades: as dele e as nossas. Nas ações da humanização, procuramos resgatar o respeito à vida humana, a nossa e a do paciente. Estando presente todo um universo social, ético, educacional e psíquico, observados em todo relacionamento humano. As ações da humanização envolvem um vínculo subjetivo, entre quem cuida e quem é cuidado. Ao “ensinamento”, ao aspecto técnico-científico, cabe a responsabilidade do educador, do professor. Ensinar ao aluno, ao futuro profissional, de forma competente, a aplicar as técnicas no atendimento ao paciente de maneira segura e eficaz, associadas a um atendimento que considere e respeite a individualidade das necessidades do paciente. Na escola pouco se aprende sobre a afetividade: usar o corpo, ter confiança em si, escutar, ter empatia, auto motivar-se, respeitar as diferenças individuais, a humanizar-se. Os seres humanos são seres de relações, são seres emocionais e amorosos. Amo o mar, amo os seres humanos, amo minha filha, te amo, amo caminhar, amo ler, amo escrever... Que confusões nascem pelo fato de termos um só vocábulo para designar o amor. Mas o amor se encerra numa definição? Palavras são insuficientes para descrever todas as sutilezas desse sentimento que nos liga conosco, com os outros e com o mundo.O amor traz em si a responsabilidade da humanidade, o respeito ao próximo. Esta disposição para a importância do respeito da individualidade do paciente estabelece um grau de adaptação e mudança; em compensação, abre espaço para a criatividade tão fundamental no atendimento humanizado. A criatividade aplica-se em todas as ações da Enfermagem, pois o ato de cuidar é perceber o todo, é enxergar de uma forma global, criativa e criadora.Temos que mudar a forma como aprendemos e a forma como mudamos.Temos que sermos melhores no Ato de Criar, no Ato de Cuidar. Humanizar é acolher esta necessidade de resgate e articulação de aspectos indissociáveis: o sentimento e o conhecimento. Mais do que isso, humanizar é adotar uma prática na qual o enfermeiro, o profissional que cuida da saúde do próximo, encontre a possibilidade de assumir uma posição ética de respeito ao outro, de acolhimento do desconhecido, do imprevisível, do incontrolável, do diferente e singular, reconhecendo os seus limites. A possuir uma pré-disposição para a abertura e o respeito ao próximo como um ser independente e digno. É necessário repensar as práticas das instituições de ensino, que preparam os profissionais de saúde no sentido de buscar alternativas de diferentes formas de atendimento e de trabalho que preservem este posicionamento ético no contato pessoal e no desenvolvimento de competências relacionais. Quanto mais articularmos o conhecimento teórico e técnico da ciência aos aspectos afetivos, sociais, culturais e éticos da relação profissional-paciente, mais estaremos no caminho para uma relação mais humanizada e eficaz. Devemos ensinar que é possível contribuir na recuperação de um paciente por meio de atitudes simples, de uma palavra ou de um ato de carinho. Alguns projetos já concretizam esses desejos, outros começam a tomar forma, refletindo na necessidade de entendermos que a transformação dos ambientes hospitalares depende de Conhecimento e de Atitude (sentimento), para o desenvolvimento de fato, de ações e resultados. Assim pensando, o Hospital Aliança (Salvador-Ba.), iniciou em 2002 a colocar em ação o Programa Enfermeiro Trainee. O hospital não é um hospital escola, com a finalidade de ensino, mas possui uma história alicerçada na educação, com um foco voltado para o desenvolvimento técnico e comportamental de todos os profissionais da empresa, envolvidos direta ou indiretamente na assistência ao paciente. Desenvolveu e desenvolve na sua trajetória assistencial, ações e projetos voltados para a humanização. Com esta história construída, agregamos, pois faço parte dessa história, o Programa Enfermeiro Trainee, oportunizando ao recém formado a uma inserção no mercado de trabalho. Com todos os sonhos do profissional que inicia a sua caminhada. O Programa considera o conhecimento uma aquisição de forma contínua e sistematizada, com a qualificação técnica/científica, prática e comportamental. Está sendo desenvolvido em um ano, sendo os dois meses iniciais do programa denominado de Programa Introdutório, onde são focados temas comportamentais como: autocuidado, comunicação, postura profissional, atividades direcionadas a humanização do processo de cuidar. O programa tem também como objetivo desenvolver e fornecer elementos para que o enfermeiro possa ser capaz de relacionar o conhecimento adquirido com a sua prática cotidiana estimulando a sua percepção quanto à importância para o seu crescimento pessoal e profissional. Os instrutores são profissionais da empresa, especialistas da área, participando toda a equipe multiprofissional (enfermeiro, médico, fisioterapeuta, engenheiro clinico, nutricionista, assistente social...).Sendo uma aprendizagem de dupla mão.Uma oportunidade de crescimento para toda a equipe. Definitivamente, a Humanização Hospitalar está em ação. A humanização em hospitais envolve essencialmente o trabalho conjunto de diferentes profissionais, de toda a equipe. O trabalho interdisciplinar pode favorecer a uma multiplicidade de enfoques e alternativas para a compreensão de aspectos que estão envolvidos no atendimento ao paciente. Isto tudo pode colaborar para o estabelecimento de uma nova cultura de respeito e valorização da vida humana no atendimento ao paciente. É necessário mudar a forma como os hospitais se posicionam frente ao seu principal objeto de trabalho - a vida, o sofrimento e a dor de um indivíduo fragilizado pela doença. De nada valerão os esforços para o aperfeiçoamento gerencial, financeiro e tecnológico das organizações de saúde. Pois a mais extraordinária tecnologia, sem ética, sem delicadeza, sem respeito, não produz bem-estar. Muitas vezes, desertifica o homem. Afinal, "o que é humanização?". Questionado as Enfermeiras Trainee o seu significado, recolhemos algumas definições: -Respeitar o outro como a si mesmo; -É se colocar no lugar do próximo ao cuidar dele; - Utilizar palavras simples como: bom dia, obrigada, posso ajudar? -Tratar o paciente de maneira humana. Repostas que não englobam a complexidade da palavra, mas expressam que nas nossas relações diárias de trabalho há um espaço para os nossos corações se manifestarem. E estas jovens enfermeiras já perceberam o quanto faz diferença para elas e os pacientes. Observamos que, quando alguma coisa está em voga, podem ocorrer duas situações: a oportunidade de aprofundar e, aprender; ou o risco de banalizar e, com isso, perder o seu verdadeiro significado. E a humanização está no topo das discussões. Acreditamos que qualquer ação na área da humanização necessita ter em mente o alcance e a delicadeza do tema. Esse tipo de cuidado pode resguardar sua profundidade, do contrário corremos o risco de banalizar essa prática através de ações bem intencionadas, mas talvez, pouco efetivas. Educar com o coração, viver a vida com o coração, ser o mais total e integral possível, ter na consciência o papel que exerce no universo e representá-lo, tudo isto significa manifestar a inteligência do coração. Ou melhor, ainda estabelecer a parceria entre o conhecimento e o sentimento. São os seres humanos que formam a sociedade, mudar a sociedade sem mudar o ser humano é ilusão.O trabalho, a criatividade, a educação e a vida social e familiar não evoluem separados. Complementando essas reflexões sobre o processo de humanização recorro mais uma vez a beleza, a poesia através de um texto narrativo de Marina Colasanti: “De Cabeça Pensada”. “Tinha 30 anos quando decidiu: a partir de hoje, nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos, pela última vez molhados. E começou a construir sua maturidade”. Tinha 50, e o marido já não pedia, os filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeça preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o constante brotar. Aos 80, a velhice a deixou entregue a uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca. E tudo o que ela mais havia temido aconteceu. Levadas pela água, escorrendo liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças “. A bem do paciente, devemos respeitar os seus desejos, as suas inquietações, as suas lembranças...Respeitar a vida. Somente dessa maneira, podemos falar, da humanização, do respeito ao próximo. E resgatar outro sentimento sem o qual a vida fica sem sentido: a esperança, que não espera acontecer, mas procura com toda a sua garra e energia tornar realidade o desejo de muitos: transformar todos os locais destinados a cuidar de pessoas, todas as escolas que preparam os “cuidadores” e todos aqueles que ensinam a cuidar, em uma nova comunidade de profissionais cuidadores da saúde e educadores, na qual exista um espaço para o estudo e o sentimento, dando assim a dimensão real da humanização: o nosso amor ao próximo, a nossa humanidade. Lembrando, que se faz necessário: Humanizar a Ação para Humanizar o ato de Cuidar. *Tânia Baraúna Enfermeira, Psicopedagoga. Mestre em Criatividade AplicadaTotal- Univ. Santiago Compostela Mestre em Administração- Univ. Salvador-UNIFACS Mestre em Educação e Sociedade-UAB-Barcelona Doutoranda em Educação e Sociedade- UAB-Barcelona

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